PGR terá de investigar os R$ 10 milhões que Odebrecht pagou a Temer; só exige pagamento em dinheiro vivo quem não quer deixar rastro

Não haverá como o PGR deixar de investigar Temer
No início dos anos 90, após a CPI das Empreiteiras, o velho Norberto Odebrecht tinha uma frase padrão para definir o desafio das empresas que entravavam no sistema de propinas: entrar na lama sem respingar.
Dizia ele que a Constituição de 1988 descentralizou as verbas. Obrigou, então, as empreiteiras a atuar na ponta com a classe política. Operações normais são contabilizadas, dizia ele, assim através do balanço fica possível controlar os gastos. As propinas, não. Então havia um duplo desafio para as empresas: fiscalizar os subornados e fiscalizar também seus executivos que participaram da operação. Afinal, não há registro delas. Quem poderia garantir a destinação da propina paga, sem nenhuma espécie de registro?
Só exige pagamento em dinheiro vivo quem não quer deixar rastro. Não tendo nenhum registro, pode-se fazer o que quiser com o dinheiro recebido. Inclusive embolsá-lo sem prestar contas a ninguém.
Lembro isso a propósito das denúncias de Marcelo Odebrecht – veiculadas pela Veja – de ter contribuído com R$ 10 milhões para o PMDB, a pedido do então vice-presidente Michel Temer em uma reunião ocorrida na própria residência oficial, o Palácio do Jaburu.
Há dois personagens na história: o doador e o beneficiário.
Em relação ao doador, o beneficiário não é obrigado a saber da procedência do dinheiro doado. Quando uma empresa consegue um contrato, mediante o pagamento de propina, o dinheiro que vai para seu caixa não é carimbado. Usa-se o caixa 2 apenas para disfarçar o destinatário do pagamento, não a natureza do recebimento.
Mas só há uma maneira de conferir a utilização do dinheiro depois que é doado: ele transitar pelos canais financeiros. No caso de financiamento de campanha, através de depósito na conta do partido. O partido registra o dinheiro doado, dá o recibo e o dinheiro fica no circuito partidário, sendo objeto de fiscalização do próprio partido, do Ministério Público e do Tribunal Superior Eleitoral.
As duas outras formas de pagamento – por laranjas ou por dinheiro vivo – significa corrupção do beneficiário, utilização do dinheiro para enriquecimento pessoal ou para utilizações ilegais.
Segundo a reportagem, os beneficiários – Michel Temer e Eliseu Padilha – exigiram pagamento em dinheiro vivo. R$ 4 milhões foram para Eliseu Padilha; R$ 6 milhões para Paulo Skaf, o homem dos patos da FIESP.
Ouvido pela revista, Temer declarou que ele e o empresário conversaram “sobre auxílio financeiro da construtora Odebrecht a campanhas eleitorais do PMDB, em absoluto acordo com a legislação eleitoral em vigor e conforme foi declarado ao Tribunal Superior Eleitoral”. Ora, na prestação de contas do partido há R$ 11,3 milhões declarados de doação da Odebrecht. Mas certamente não são os mesmos R$ 10 milhões mencionados por Marcelo Odebrecht.
A resposta de Eliseu Padilha foi mais incompleta ainda: “Como Eliseu Padilha não foi candidato, não pediu nem recebeu ajuda financeira de quem quer que seja para sua eleição”. Fantástico! Ninguém afirmou que os R$ 10 milhões eram para sua eleição, mas que ele recebeu na condição de homem de confiança de Temer.
Quais os motivos para exigir o pagamento em dinheiro vivo?
Esconder a contribuição à campanha de Paulo Skaf? Certamente, não. Se poderia alegar que, se a contribuição vazasse, outros candidatos poderiam exigir isonomia. Ora, o padrão normal é depositar na conta do partido nacional e o partido remeter para o candidato a ser beneficiado.
Esconder a ajuda a candidatos de outros partidos? Pode ser. Mas, no mínimo, configuraria uma infração eleitoral.
Valer-se do dinheiro para enriquecimento pessoal? É uma hipótese robusta.
Há um cadáver estirado no centro da Praça dos Três Poderes: R$ 10 milhões em dinheiro vivo negociado pessoalmente pelo presidente com uma empreiteira.
A única maneira de saber o que ocorreu será a Procuradoria Geral da República abrir um inquérito sobre isso. Não será possível ao país manter um presidente interino – que está prestes a se tornar efetivo – sob a mancha de suspeita de tal dimensão.
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Odebrecht cita Temer em negociação de delação premiada
Na delação que a empreiteira está negociando, um anexo diz que Temer participou de reunião em 2014 que resultou na doação de R$ 10 milhões em dinheiro vivo
VEJA teve acesso a um anexo da delação premiada mais esperada do escândalo do petrolão. A Odebrecht mobilizou mais de uma centena de advogados para assessorar a delação de seu presidente, Marcelo Odebrecht, e de cerca de cinquenta executivos da empresa.
No trecho a que VEJA teve acesso consta a informação de que em maio de 2014 houve um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República. Nele, estavam o próprio vice Michel Temer e o então deputado Eliseu Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil. Do lado da empreiteira, Marcelo Odebrecht.
Segundo os termos do anexo, Temer pediu “apoio financeiro” ao empresário. Marcelo Odebrecht, um campeão em contratos com o governo federal e um financiador generoso de políticos e campanhas eleitorais, prometeu colaborar. Afinal, estava diante do vi­ce-presidente da República e comandante em chefe do PMDB, o maior partido do país, que controlou desde a redemocratização cargos estratégicos da máquina pública, como diretorias da Petrobras e de estatais do setor elétrico.
A Lava-Jato já sabe que empreiteiras repassaram propinas a partidos na forma de doações eleitorais. Ou seja: que usaram a Justiça Eleitoral para lavar dinheiro sujo.
No caso da negociação no Jaburu, o anexo da empreiteira promete provar, caso a delação seja homologada, que se deu uma operação distinta: o pagamento do “apoio financeiro” aconteceu em dinheiro vivo, entre agosto e setembro de 2014.
A Odebrecht repassou 10 milhões de reais ao PMDB. Do total, 4 milhões tiveram como destinatário final o próprio Eliseu Padilha. Já os 6 milhões de reais restantes foram endereçados a Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Skaf tem boa relação com Marcelo Odebrecht e é apontado como o mentor do jantar entre o empreiteiro e os peemedebistas, do qual não participou. Em 2014, ele disputou o governo de São Paulo pelo PMDB graças ao apoio de Temer. O repasse dos 10 milhões de reais em dinheiro vivo está, segundo o anexo, registrado na contabilidade do setor de operações estruturadas da Odebrecht, também conhecido como “departamento da propina”.
Em nota, o presidente interino confirmou o jantar e afirmou que ele e o empresário conversaram “sobre auxílio financeiro da construtora Odebrecht a campanhas eleitorais do PMDB, em absoluto acordo com a legislação eleitoral em vigor e conforme foi depois declarado ao Tribunal Superior Eleitoral”.
Segundo dados do TSE, a Odebrecht repassou 11,3 milhões de reais à direção nacional peemedebista em 2014. Seria a mesma doação? Para evitar fraudes, a Justiça Eleitoral exigia que os recursos doados legalmente pelas empresas fossem depositados na conta do partido. Na delação da empreiteira, os 10 milhões saíram em dinheiro vivo e foram contabilizados em seu “caixa paralelo”.
Temer não esclareceu se foi ele quem pediu a ajuda financeira, conforme relatado à força-tarefa da Lava-Jato, ou se a iniciativa partiu de Marcelo Odebrecht.
Consultado por VEJA, Eliseu Padilha enviou uma nota. Diz: “Lembro que Marcelo Odebrecht ficou de analisar a possibilidade de aportar contribuições de campanha para a conta do PMDB, então presidido pelo presidente Michel Temer”. Padilha negou que tenha recebido os recursos da Odebrecht. Sua assessoria escreveu: “Como Eliseu Padilha não foi candidato, não pediu nem recebeu ajuda financeira de quem quer que seja para sua eleição”.
Paulo Skaf também declarou que a empreiteira não doou para a sua campanha e que recebeu apenas 200 000 reais da Braskem, petroquímica controlada pela Odebrecht. A empreiteira não comenta o assunto sob a alegação de que está negociando uma delação premiada e tem o compromisso de manter a confidencialidade.
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