A grande celebração, entre Lula e o povo nordestino, da chegada das águas do rio São Francisco ao semi-árido será apontada como um pretexto para o lançamento de sua candidatura a presidente em 2018. Mais do que isso, porém, o ato de Monteiro (PB) foi uma questão de justiça histórica, que Temer tornou necessária com sua mesquinha inauguração oficial da semana passada, em que sequer mencionou o nome de seu principal realizador. O comparecimento maciço a um encontro com quem não mais governa, a força política da manifestação e os claros sinais da saudade de Lula sugerem que a oposição começa a sair da defensiva para tomar a dianteira, depois da derrota imposta pelo golpe de 2016.
A transposição das águas do São Francisco para o semi-árido nordestino é uma daquelas obras que muda a face de um país ou de uma região, produzindo mudanças sociais e econômicas que marcarão época. Na história do mundo e da humanidade, o manejo do rios foi decisivo para o florescimento de grandes civilizações. Assim floresceu a cultura da Mesopotânia, entre o Tibre e o Eufrates, a agricultura do Egito, junto ao Nilo, a civilização da Índia, a partir do rio Indo, e a chinesa, que só avançou a partir das barragens do rio Amarelo. Reis e governantes da antiguidade realizaram grandes projetos destinados a garantir o uso das águas daqueles rios em benefício do povo e do desenvolvimento. Hoje ainda não nos damos conta do significado da transposição do São Francisco mas ela mudará a face do Nordeste brasileiro. Lula, como nordestino e retirante que experimentou a seca e a fome, sabia o que ela significava quando a começou, em 2007. Se vergonha e pudor estivessem entre os atributos dos que nos governam sem nosso voto, Temer e outros faturadores de obra alheira teriam tido um surto de rubor diante da celebração de ontem em Monteiro. Foi com Lula, e não com ele, que o povo celebrou a secularmente esperada chegada das águas ao sertão.
Lula deu-lhe também uma lição ao citar, no discurso de ontem, seu ministro da Integração Regional, Ciro Gomes, reconhecendo seu trabalho e sua coragem ao dar início às obras, em 2007, enfrentando a burocracia ambiental e as críticas de muitos adversários do projeto, inclusive as de alguns governadores e até mesmo a greve de fome de um bispo. Ciro não estava presente mas não foi omitido, como fez Temer na semanada em relação a Dilma e Lula. Saiu-se com aquela de que a obra não tem paternidade, pertencendo ao povo brasileiro que pagou impostos para que pudesse ser realizada. Desde sempre os brasileiros pagaram impostos e os nordestinos sofreram com a seca mas, antes de Lula, não houve imperador ou presidente que a tirasse do papel. Como Temer gosta de dizer lorotas e de subestimar a inteligência do povo!
Num tempo em que a grande maioria dos políticos se posiciona segundo as conveniências, cabe reconhecer a coerência e a honestidade política do governador da Paraíba, Ricardo Coutinho. Ele é do PSB mas resistiu às pressões do partido para apoiar o golpe. No ato com Temer, foi o único a citar Lula e Dilma. E neste domingo, foi o anfitrião e organizador do evento. Não temendo represálias federais, declarou com todas as letras de que lado está: com Lula, pela restauração democrática e a eleição de um novo governo popular em 2018.
As manifestações do dia 15, contra a reforma previdenciária, e o ato de Monteiro, neste domingo, podem se os primeiros sinais de que as forças populares derrotadas pelo golpe começam a ganhar desenvoltura para a ofensiva. O programa dos que derrubaram Dilma segue em sua rota de fracasso econômico e decadência moral, exigindo do povo a aceitação de sacrifícios e a resignação com a perda de direitos. É isso que o governo faz com suas campanhas na televisão em defesa da reforma previdenciária: tenta convencer as pessoas de que elas devem aceitar passivamente regras que vão tornar sua aposentadoria uma quimera. Enquanto isso, cresce exponencialmente o número de membros do governo e integrantes de sua coalizão partidária delatados por suas conexões financeiras com a Odebrecht e outras empresas. Para a população, a ficha cai e a retração inicial começa a passar. Para o PT e toda a oposição, é hora de sair da defensiva.
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