Pressão de estudantes obriga CPI a convocar denunciante da máfia da merenda

Secundaristas ajudaram oposição a alterar o plano de trabalho da comissão e derrubaram limitações de acesso a documentos remetidos ao colegiado
por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 03/08/2016 14:33, última modificação 03/08/2016 15:28
ASS. LEG. SP
discentes
Os secundaristas têm participado de todas as reuniões da CPI da Merenda, sempre pressionando os deputados
São Paulo – A pressão dos estudantes secundaristas conquistou uma vitória hoje (3) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Assembleia Legislativa paulista, que apura superfaturamento, desvio de recursos e pagamento de propina em contratos da merenda escolar do governo Geraldo Alckmin (PSDB). O colegiado alterou a proposta de plano de trabalho apresentada pelo relator, deputado Estevam Galvão (DEM), considerada “superficial” pelo deputado Alencar Santana (PT), único membro de oposição ao governo Alckmin na comissão. Acatando proposta feita pelo petista, a CPI vai convocar o personagem que deu início à investigação da corrupção na merenda. 

Trata-se do dirigente da Cooperativa Orgânica da Agricultura Familiar (Coaf) João Roberto Fossaluzza Júnior, que denunciou o esquema de pagamento de propina para membros da gestão Alckmin à Polícia Civil, após uma briga entre os diretores da entidade. Também foram convidados os delegados José Eduardo Vasconcelos, Paulo Roberto Montelli e Mário José Gonçalves. Este último, após instalar grampos telefônicos no âmbito da investigação, declarou: “Estamos diante de um grande esquema criminoso, (...) alimentos valiosos que são transformados em cifras que acabam banhando a conta bancária de funcionários públicos e de empresários corruptos”. 

“Foi uma vitória o que aconteceu hoje. Claro que não podemos nos iludir que a base do governador vá facilitar o processo de investigação depois disso. Mas a mudança no plano de trabalho mostra que a atuação firme da oposição e a pressão dos estudantes e da população podem fazer diferença na condução desta CPI”, afirmou Santana. Para ele, ouvir estes personagens é fundamental para iniciar o processo de oitivas de acusados e testemunhas. 

As oitivas da CPI terão início na próxima terça-feira (9), às 9h. Ainda não há, no entanto, previsão de quando serão ouvidos os parlamentares citados como envolvidos no esquema, que nem sequer foram incluídos no plano de trabalho. Dentre eles, está o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Fernando Capez (PSDB), além dos deputados federais Nelson Marquezelli (PTB), Baleia Rossi (PMDB) e Duarte Nogueira (PSDB), que é o secretário de Logística e Transportes do governo Alckmin. 

O presidente da CPI, deputado Marcos Zerbini (PSDB), minimizou as queixas e disse que está sendo respeitado um procedimento hierárquico de obtenção das informações. Primeiro solicitando documentos, depois ouvindo testemunhas, para só então ouvir acusados. “Todos vão ser ouvidos. Eu não vou barrar nenhum requerimento de oitiva. Nós vamos trabalhar com o objetivo de esclarecer os fatos, portanto, não adianta ouvir acusados sem saber o que perguntar a eles”, afirmou. 

“Essa é uma demonstração importante da força dos estudantes”, afirmou o presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), Emerson Santos. Os estudantes têm participado de todas as reuniões da CPI. Hoje eles levaram embalagens de merenda seca distribuídas nas escolas para entregar aos deputados da comissão. E prometeram mais ações para pressionar os deputados, como manifestações de rua e nas cidades de origem dos parlamentares. “Se a CPI não der em nada, a Alesp vai ser ocupada”, cantaram. 

Ontem (2), em protesto para reivindicar a criação de uma comissão semelhante na Câmara Municipal de Mauá, na região do ABC, Santos foi agredido por guardas civis e está com uma sutura na cabeça decorrente do ferimento por cassetete. Ele foi um dos estudantes que ocupou a assembleia, em maio, ação que forçou os deputados a criar a CPI. “Nós não vamos parar até que prendam o ladrão da merenda. E que a alimentação escolar seja de qualidade”, completou. 

A proposta original de Galvão começava pela oitiva do presidente da Corregedoria Geral da Administração (CGA), Ivan Francisco Pereira Agostinho. A oitiva dele foi mantida e também será realizada no dia 9. Além dele, foram convidados o ex-secretário estadual da Educação Herman Voorwald; o ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, o Moita; o ex-chefe de gabinete da Educação Fernando Padula; e os ex-assessores de Capez José Merivaldo dos Santos e Jeter Rodrigues, este último tendo declarado o envolvimento do deputado e assessores dele no esquema. 

Também foram convocados seis dirigentes da Coaf, entre eles, o ex-presidente Cássio Izique Chebabi. A diferença entre convite e convocação é que no primeiro caso a pessoa não tem obrigação de comparecer à oitiva. A CPI também aprovou a solicitação dos autos da Operação Alba Branca à Justiça Federal de Ribeirão Preto, para onde o processo foi encaminhado no início de junho deste ano. E um pedido de informações ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), sobre auditorias, relatórios e demais procedimentos relativos à apuração de desvios de recursos públicos na aquisição de merenda escolar. 

Além da alteração do plano de trabalho, os estudantes também foram decisivos na garantia de acesso dos deputados aos documentos recebidos pela CPI. O presidente da CPI, deputado Marcos Zerbini (PSDB), alegava que a origem dos documentos encaminhados pela Corregedoria Geral da Administração é sigilosa e, por essa razão, eles foram liberados somente em computadores instalados em uma sala com acesso controlado, no setor de documentação da assembleia. 

Os deputados só poderiam acessar em horário determinado, com acompanhamento de um servidor da assembleia, sem possibilidade de xérox ou cópia digital dos documentos. Além disso, o deputado Alencar Santana denunciou que ele foi proibido de acessar o material durante o recesso parlamentar, sob alegação de que isso privilegiaria os parlamentares da capital sobre os do interior. "É um absurdo. É mais uma forma de cercear os trabalhos desta comissão”, protestou Santana. 

Apesar dos protestos, inclusive de deputados da base aliada do governador, como Barros Munhoz (PSDB), que disse ser “melhor acabar com a CPI” se eles não tivessem acesso aos documentos, Zerbini parecia não pretender mudar de postura. Com a chegada dos estudantes a sessão ficou tumultuada, com os jovens protestando e discutindo com o presidente e o relator da comissão, deputados falando ao mesmo tempo e policiais tensos. Após uma hora de bate-boca, Zerbini cedeu e liberou o acesso total dos parlamentares à documentação. 

“Uma CPI com documentos sigilosos é uma grande farsa. O objetivo da comissão é justamente esclarecer, dar satisfação à população. E isso tem de ser feito de forma transparente”, afirmou o estudante HenriqueDomingues, do Diretório Central dos Estudantes da Faculdade de Tecnologia (Fatec). 

A CPI é composta pelos deputados Zerbini e Munhoz (PSDB), Santana (PT), Galvão (DEM), Adilson Rossi (PSB), Jorge Caruso (PMDB), Gilmaci Santos (PRB), Coronel Camilo (PSD) e Delegado Olim (PP). Oito dos nove membros fazem parte da base aliada do governo Alckmin. O prazo de funcionamento é de 120 dias, com encerramento previsto para 13 de novembro, podendo ser prorrogada por 60 dias.
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