Otavinho Frias, dono da Folha, toma surra histórica em Londres!

ScreenHunter_182 Jun. 22 09.18Reproduzo abaixo um trecho de um debate realizado há alguns dias, em Londres, durante o qual o proprietário da Folha de São Paulo, Otavio Frias Filho, tomou uma surra histórica, em pergunta feita pela britânica Sue Brandford, correspondente internacional do Latin America Bureau, organizadora do evento.
Otavio Frias, furioso, reagiu chamando a austera Brandford de "militante do PT".
Tem sido cômica e previsível a reação dos barões da mídia às críticas, hoje mundiais, à sua postura golpista. Todo mundo, para eles, é "petista", "pago pelo PT", "simpatizante do PT".
A reação dos oligarcas da mídia brasileira é sempre furibunda, autoritária. Invariavelmente, os oligarcas atacam o direito dos críticos se expressarem, e não o conteúdo em si.
A sua indignação é contra a própria liberdade de expressão de seus críticos, apesar de terem tentado se promover (cinicamente), nos últimos anos, como paladinos dessa liberdade.
Vide a carta que o próprio dono da Globo, João Roberto Marinho, enviou ao The Guardian, em resposta a um artigo de David Miranda.
Como exemplo desse esforço, de não apenas contestar a crítica, mas de negar-lhe a existência, a Globo contratou um pistoleiro, Pedro Doria, para escrever um artigo incrivelmente mentiroso dizendo que a imprensa internacional não chama o impeachment de golpe. Eu fiz um post sobre essa pistolagem.
Ou seja, a Globo tentou vender a seus leitores que as críticas da imprensa internacional ao golpe simplesmente não existiram: eram invenção dos "blogs". Por isso, aliás, mandou (e foi obedecida imediatamente) o governo Temer perseguir os blogs.
Não podendo mais negar a existência das críticas ao golpe, o colunista Guilherme Fiúza, tentou uma jogada desesperada: acusou o New York Times de estar no bolso do PT.
Parece piada, e é tão ridículo que a gente efetivamente faz piada em cima dessas coisas, mas no fundo é uma coisa trágica, porque a consequência foi um golpe de Estado e o início de um desmantelamento brutal, atabalhoado, sádico, de todo um conjunto de programas sociais. O governo Temer, por exemplo, acaba de reduzir o Bolsa Família em R$ 14...
Essa irritação senhoril da mídia às críticas é também uma reação fascista, por várias razões:
- primeiro porque não responde à crítica em si, e sim ataca a pessoa que a emite, rotulando-a, tentando desqualificar o conteúdo de sua crítica colando no emissor um rótulo político cujo peso semântico a própria Folha ajudou a carregar de preconceito.
- segundo porque parte do pressuposto de que existam duas classes de pessoas: os isentos, seres superiores como o próprio Frias, imunes às paixões políticas, acima do bem e do mal; e os militantes, seres inferiores, cujas opiniões irracionais não servem ao debate e, portanto, nem deveriam participar de um debate sério.
Frias diz isso mesmo: que Brandford não deveria estar no mesmo debate que ele, porque ele é jornalista e ela é uma "militante do PT".
Em algumas circunstâncias, não é xingamento chamar alguém de militante do PT. Em outras, como é o caso agora, é uma afirmação puramente ofensiva, uma tentativa vil, mau caráter, de desqualificar o debatedor.
Brandford não tem ligação nenhuma com PT. É uma britânica culta, viajada, cosmopolita, uma pessoa humanista e democrática, que conhece a realidade do Brasil, que é crítica ao golpe e, portanto, crítica ao papel que a mídia brasileira desempenhou nele.
Essa afirmação de Frias é uma manifestação inacreditável de arrogância e cinismo, bem típica da Folha.
Frias afirma, também com incrível cinismo, que foi "pessoalmente" contra o impeachment. Ora, o seu jornal fez (e ainda faz) propaganda aberta pelo impeachment desde o primeiro dia de 2015, através de todo o tipo de artifício semiótico. E não são sequer artifícios disfarçados, subliminares: a seção Poder da Folha exibe, desde início de de 2015, propagandas fixas, em destaque, em favor do impeachment. A cobertura das manifestações pró-impeachment tem sido monstruosamente enviesada, em favor do impeachment, além de profundamente desequilibrada em relação à cobertura dos eventos contra o golpe. Todos os dias, ocorrem debates contra o golpe. A Folha não divulga nenhum deles. Não faz vídeo, não faz charge, não faz entrevistas, contra o golpe, e quando o faz é numa proporção infinitamente menor que a mesma cobertura para o outro lado. Isso além da censura aberta, descarada, às críticas à própria mídia, em especial à Globo.
Tanto a Folha como a Globo ajudaram a convocar as manifestações em favor do impeachment.
É deveras interessante ouvir a resposta de Frias porque é muito raro, no Brasil, a participação desses barões no debate sobre mídia, até porque a eles não interessa que haja debate sobre o tema; a menos, é claro, que seja um debate absolutamente controlado por eles, como são alguns seminários de suas associações em São Paulo, com ingressos custando R$ 600,00.
Pode-se dizer que é o cinismo mais puro já produzido na história da humanidade.
Na história do golpe, a participação da mídia poderia ser resumida da seguinte forma: a Globo entrou com a violência; a Folha, com o cinismo.
Frias diz que "não acredita em manipulação".
Ora, ora, ora.
Todos os livros e filmes já publicados sobre manipulação da informação devem ser jogados no lixo?
A manipulação em torno da história das armas de destruição em massa no Iraque não teve efeito nenhum sobre a opinião pública norte-americana e mundial? Frias nunca viu o filme Zona Verde?
Se a imprensa norte-americana, cúmplice da Casa Branca, conseguiu manipular a experiente opinião pública de seu país, a manipulação de uma sociedade democraticamente imatura, vítima de um sistema de comunicação infinitamente mais concentrado, é muito mais fácil!
O fascismo europeu, o antissemitismo, o ódio sectário que produziu duas guerras mundiais, não teve nada a ver com a história da manipulação de imensos contingentes populacionais, por meios de comunicação de massa?
Os estudos de Adorno sobre a indústria cultural, os livros de Chomsky sobre fabricação de consenso, os ensaios de Umberto Eco, devem ser todos tratados como inúteis?
Na verdade, Frias desrespeita (cinicamente, claro, porque ele não acredita nisso) a própria história dos meios de comunicação de massa, que tem igualmente aspectos positivos, de defesa de direitos humanos e democracia.
Esses aspectos positivos, porém, só podem ser elogiados e compreendidos se olharmos também os negativos: a manipulação sistemática da informação e, no caso da América Latina, a sua tendência histórica em apoiar movimentos antidemocráticos e golpistas.
É preciso entender que o poder de manipulação é proporcional ao cinismo da imprensa em se pretender isenta.
Porque a máscara de "isenção" é a principal arma da manipulação.
Se os jornais tivessem uma postura politicamente transparente, poderiam até fazer o mesmo tipo de jornalismo que fazem hoje, porém seu poder de manipulação seria reduzido. E o poder de manipular, de produzir crises, de interferir na democracia, é o que a imprensa brasileira mais preza, porque é através deste poder que ela consegue destruir qualquer adversário político ou concorrente comercial, e arrancar financiamentos e recursos publicitários do governo.
Ao final de sua fala, Frias apela para o sofismo barato: os críticos da mídia brasileira devem escolher, diz ele, se a mídia está decadente ou se continua todo-poderosa. Por aí se vê que o ódio de Frias, como dos barões midiáticos em geral, é sempre em direção aos críticos.
Ora, a mídia corporativa decaiu sim. A Folha imprimia 1,5 milhão de exemplares nos anos 90. Hoje imprime 200 ou 300 mil. Mas o seu poder continua muito grande, sobretudo quando se alia a setores partidarizados da burocracia: aí sim, o seu poder se multiplica consideravelmente.
Uma coisa é um jornal sozinho, fazendo denúncias, publicando reportagens investigativas feitas com muito esforço. Outra é quando setores da burocracia, imersos numa conspiração que o próprio jornal ajudou a insuflar, se aliam a este jornal para derrubar um governo. Aí sim a mídia corporativa volta a ser todo-poderosa.
Voltaremos ao cinismo de Frias em outras ocasiões.
Abaixo, o vídeo.





Abaixo, a tradução da fala da inglesa, feita pelo internauta Luís Henrique Kubota, tradutor profissional.
A fala seguinte, do Otavinho, é feita em português, então não precisa de tradução.
***

Sue: Oi! O microfone está funcionando? Sim. Bem, o título... Vou falar em inglês. Entendo o português, mas é mais fácil para mim se eu falar em inglês. E temos intérpretes.
O título desta sessão é Mídia, Percepção e a Consolidação da Democracia Brasileira. Para mim, parece que a imprensa brasileira sofre de uma fragilidade estrutural que realmente está dificultando a consolidação da democracia no Brasil. Mas não estou falando de jornalistas individuais – o Brasil tem alguns jornalistas maravilhosos. Alguns comentaristas maravilhosos. E, de certa forma, acho que melhores do que os que temos na Inglaterra. Na verdade, estou falando sobre o setor da mídia em si. E estou falando sobre ele tendo como referência a crise. E, se tiver tempo, também vou falar brevemente sobre o papel da imprensa estrangeira na crise. Acredito que a atuação dela tem sido interessante e incomum. Talvez seja um pouco de truísmo dizer que, no Brasil, a grande imprensa – os grandes veículos de comunicação – é dominada por poucas famílias, todas elas muito conservadoras.
Mino Carta, um dos principais jornalistas de esquerda no Brasil e atual editor de Carta Capital, descreveu a imprensa brasileira como “reacionária e conservadora”, e “umbilicalmente ligada ao poder e aos detentores do poder”.
Mas não são apenas analistas no Brasil que dizem isso. A ONG Repórteres sem Fronteiras – uma ONG internacional que promove e defende a liberdade de informação e a liberdade de imprensa – concorda, embora não use uma linguagem tão expressiva quanto a usada por Mino Carta. Ela disse em seu relatório mais recente:
“A propriedade da mídia [no Brasil] permanece muito concentrada, especialmente nas mãos de poderosas famílias que, frequentemente, são próximas da classe política.”
“A cobertura da mídia brasileira sobre a atual crise política do país tem enfatizado o problema. De maneira pouco velada, os principais veículos da mídia nacional têm estimulado o público a ajudar na derrubada da Presidenta Dilma Rousseff. Os jornalistas que trabalham para esses grupos de mídia estão claramente sujeitos à influência de interesses privados e enviesados, e esses conflitos de interesse permanentes são visivelmente muito prejudiciais à qualidade de sua reportagem.”
O Repórteres sem Fronteiras também destacou a questão da violência contra jornalistas. Ele disse:
“Com sete jornalistas assassinados apenas em 2015, o Brasil continua sendo o terceiro país mais perigoso do hemisfério ocidental para membros da mídia, depois do México e de Honduras. Todos eles estavam investigando temas delicados, como a corrupção e o crime organizado.”
Foi em razão da violência contra jornalistas e a concentração da mídia, que distorce a cobertura, que o Repórteres sem Fronteiras rebaixou o país em termos de liberdade de imprensa. Agora, o Brasil ocupa a 104ª posição numa lista de 180 países. E a ONG acredita que a situação está piorando. Em 2010, o Brasil ocupava a 58ª posição. Assim, a posição do país caiu quase 50 lugares. Ele foi da 58ª para a 104ª posição entre 180 países.
E acredito que a hostilidade em relação ao PT mencionada pelo Repórteres sem Fronteiras existe desde que o partido foi fundado, na década de 1980. Essa hostilidade vai e vem, e torna-se especialmente visível em momentos em que status quo é ameaçado.
A primeira vez que notei isso foi lá em 1989 – quando parecia que o Lula poderia vencer a presidência em sua primeira tentativa. Sou velha o suficiente e com vivência o bastante no Brasil para me lembrar disso. E há um incidente que se tornou famoso e ainda é discutido, que ocorreu nas vésperas da votação do segundo turno, quando a TV Globo editou de modo malicioso o debate entre os dois candidatos presidenciais – Lula e Collor de Melo – de modo a mostrar os piores momentos de Lula e os melhores de Collor. Essa manipulação do noticiário pode ter sido ao menos parcialmente responsável pela derrota de Lula.
E acho que, hoje, vivemos outro momento delicado, quando o establishment claramente quer o PT fora do governo. O viés é muito evidente nos editoriais da imprensa tradicional. A jornalista Cileide Alves analisou os editoriais da imprensa dos primeiros quatro meses deste ano:
O Estadão publicou 83 editoriais contra Dilma, o Globo 29, e a FSP menos: 23.
E isso importa? No mundo todo, os jornais têm posições – basta pensar na Grã-Bretanha no momento e nas posições muito firmes que a nossa imprensa está tomando em relação ao referendo sobre a UE.
Pessoalmente, não acho que isso seja importante. Talvez seja uma responsabilidade do jornalista tomar posições. O que importa é quando a posição editorial tomada pela mídia distorce o modo como ela cobra o noticiário. Em outras palavras, quando isso interfere na cobertura clara e honesta do noticiário. De certo modo, acho que isso está acontecendo na Grã-Bretanha no momento, com as reportagens sobre o referendo da UE. Estamos até mesmo vendo, especialmente o The Mail e o The Sun, publicarem mentiras sobre os acontecimentos. Também acho que isso está acontecendo no Brasil.
Grosso modo, essa também é a posição adotada por João Feres, o coordenador do Manchetômetro, uma organização que monitora o viés da imprensa brasileira. Depois de examinar detalhadamente semana após semana a imprensa brasileira, ele concluiu que: “Não é exagero afirmar que a imprensa brasileira manipula a opinião pública.”
Olhando para a cobertura da crise atual, talvez o caso mais claro, mais uma vez, seja a TV Globo.
No início do ano, passei um mês na Amazônia, fazendo algumas reportagens, numa área bem remota. E, como acontece muitas vezes nesses lugares, uma família tem uma televisão com [antena] parabólica, e todo mundo vem à noite assistir à novela das oito e ver o Jornal Nacional. Quando Lula estava sendo investigado por corrupção, foi levado algemado [sic] para prestar depoimento. A repetição de reportagens sobre a suposta corrupção entre políticos do PT, sem o mesmo destaque para o envolvimento supostamente ainda maior [com corrupção] de políticos de outros partidos, dava a impressão de que o PT é o único partido do país e o mais corrupto, quando não há base alguma para tal alegação. E há indícios de que ele é provavelmente menos corrupto [do que os outros]. Fiquei muito chocada, noite após noite, ao ir de uma choupana para outra e ver que esse é o noticiário que eles recebem. Esse é o tipo de reportagem que eles estão recebendo no momento sobre uma crise política extremamente grave no Brasil.
E a maneira enviesada com que o PT tem sido tratado, claro, foi notada por muitos analistas brasileiros, inclusive Celso Rocha de Barros, que é colunista da Folha. Ele faz parte do grupo de excelentes jornalistas que mencionei acima. E ele registrou o modo como a mídia cobre obsessivamente casos de corrupção envolvendo o PT, ao passo que minimiza ou ignora casos de corrupção igualmente chocantes envolvendo políticos de outros partidos.
Existem inúmeros outros exemplos de distorção, não apenas pela TV Globo, mas por muitos outros veículos da mídia tradicional. Não é muito comum ver mentiras escancaradas. O mais usual é ver omissões e formas indiretas de manipulação. Cada um desses casos pode até parecer bem banal, mas, no acumulado, representam grave distorção. Vejamos três exemplos, apresentados pela revista digital Calle2:
1. No dia anterior à votação do impeachment, a Globonews estava apresentando uma matéria sobre as declarações dos deputados a favor e contra o impeachment. A Globonews optou por interromper as transmissões ao vivo e apresentar comentários de um de seus jornalistas ou de outro comentarista exatamente quando um deputado pró-governo (pró-Dilma) estava falando. Então, ficou a impressão – sem que isso fosse realmente dito – de que toda a Câmara apoiava o impeachment.
O segundo exemplo:
2. Logo após Michel Temer ocupar a presidência, em 18 de abril, foi revelado que os principais ministros de seu novo governo estavam sendo investigados como parte da Operação Lava Jato ou estavam sendo citados em delações premiadas. Isso era claramente um desdobramento importante – e foi amplamente reportado pela imprensa estrangeira. Mas levou duas semanas até que a Folha de S. Paulo informasse seus leitores sobre esse fato. E, segundo a Calle2, isso só aconteceu depois que a revista contatou o ombudsman da Folha. E, ainda assim, diz a Calle2, isso não foi tratado de maneira satisfatória.
Terceiro exemplo:
3. Quando a advogada Janaína Paschoal participou de um debate no Senado, em 28 de abril, admitiu ter recebido R$ 45.000 do PSDB, para preparar o parecer no qual se baseia o pedido de impeachment de Dilma. Essa informação é claramente importante, pois sugere que o parecer pode não ter sido um documento jurídico imparcial, mas algo encomendado pelo PSDB, que é o partido que mais tem pressionado a favor do impeachment. No dia seguinte, porém, nenhuma matéria sobre o tema foi publicada. Nem na Folha nem no Estadão.
Mas isso tudo tem importância? Acredito que sim. Estamos vendo a emergência de novas fontes de informações – websites alternativos (Pública, Mídia Ninja, Fluxo, Nexo, Indymedia, Conectas, etc.) – mas, no momento, a agenda [ainda] é definida pela mídia tradicional.
O PT prometeu reformar a mídia ou até mesmo criar uma agência de notícias independente financiada pelo governo – algo similar à BBC –, mas não cumpriu essa promessa. E acho que ainda precisamos de reformas urgentes no Brasil, se quisermos consolidar a democracia no país.
Agora, farei um breve comentário sobre o papel desempenhado pela imprensa estrangeira. De modo geral, ela tem coberto a crise de modo acertado, embora, claro, seja mais fácil evitar o viés político quando se cobre um país muito distante e que normalmente não aparece muito no noticiário no seu próprio país. O que é interessante é o modo como a cobertura mudou. No início, a imprensa estrangeira tendia a cobrir os protestos anti-Dilma de maneira razoavelmente acrítica. Era como se a imprensa estivesse seduzida pelo entusiasmo de milhões que estavam indo às ruas protestar contra a corrupção. Mas, então, começaram a surgir dúvidas sobre a legitimidade da decisão de abrir um processo de impeachment contra Dilma. Talvez um ponto de inflexão tenha sido a votação na Câmara dos Deputados.
No dia 17 de abril, como todos vocês sabem, o Brasil foi notícia importante em todo o mundo – merecendo plantões – por conta das oito horas de votação. Se, por um lado, a mídia brasileira cobriu o fato como um evento esportivo – com o “placar” mais recente –, a imprensa estrangeira, por sua vez, passou a observar o aspecto político. E ela ficou chocada com o tom adotado por alguns deputados. Foi assim que o The Guardian descreveu parte disso:
“Numa noite sinistra, provavelmente o ponto mais baixo foi quando Jair Bolsonaro, o deputado de extrema direita do Rio de Janeiro, dedicou seu voto favorável a Carlos Brilhante Ustra, o coronel que chefiou o centro de torturas do DOI-CODI durante a ditadura. Dilma, uma ex-guerrilheira, estava entre os que ali foram torturados. Essa declaração fez com que Jean Wyllys, um deputado de esquerda, cuspisse na direção de Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro, seu filho e também deputado, usou o microfone para homenagear o general responsável pelo golpe militar de 1964.”
A imprensa estrangeira também começou a informar sobre o absurdo de deputados profundamente envolvidos com corrupção acusarem Dilma do mesmo crime. Essa mudança foi clara na cobertura nos EUA – no The New York Times, no The Wall Street [Journal], no The Washington Post. Todos começaram a falar sobre o absurdo desses deputados extremamente corruptos falarem sobre corrupção no PT. E, na Europa, o Der Spiegel, revista semanal alemã, foi além, chamando a votação de “A Revolta dos Hipócritas”.
Mais tarde, o The New York Times – que todos sabemos ser um jornal bastante conservador – apresentou até mesmo um editorial razoavelmente forte, que foi chamado de “Medalha global de corrupção”. Ele dizia:
“Embora a sra. Rousseff não tenha administrado o país de maneira eficiente, os senadores que estão festejando a saída dela precisam lembrar que a presidente foi eleita duas vezes. O Partido dos Trabalhadores ainda tem apoio considerável, especialmente entre os milhões que foram resgatados da pobreza por ele ao longo das últimas duas décadas. A confiança na sra. Rousseff e seu partido pode até ter despencado nos últimos meses, mas ela está prestes a pagar um preço desproporcionalmente alto por um delito administrativo, ao passo que vários de seus detratores mais fervorosos são acusados de crimes muito mais graves. Eles poderão acabar descobrindo que boa parte da ira que tem sido dirigida a ela logo estará voltada contra eles.”
Essas são palavras fortes para um jornal como o The New York Times.
De modo mais previsível, a Al Jazeera, a agência de notícias do Qatar, foi crítica, não apenas em relação ao processo de impeachment, mas à cobertura da crise na mídia brasileira. Acho que ela foi a primeira a chamar de “golpe” o que estava acontecendo no Brasil. E essa opinião tem sido mais adotada pela imprensa estrangeira agora.
Especialmente após o surgimento de algumas gravações, ficou claro que muitos daqueles, ou alguns dos líderes, que estavam apoiando o impeachment, na verdade estavam querendo o afastamento de Dilma, para interromper a Lava Jato. Foi nesse momento, ao ouvir essas [gravações], que Glenn Greenwald, do The Intercept – que (como eu) no começo havia resistido a chamar isso de golpe – disse: “Agora, eu realmente acho que é um golpe. O que temos é um Congresso tentando se livrar de Dilma [após] eleições nas quais eles foram derrotados. Mas eles têm uma posição forte no Congresso. E, agora, estão tentando usar um procedimento constitucional legítimo, para tentar se livrar dela. Não creio que muitos brasileiros realmente achem que são as pedaladas fiscais que estão por trás do desejo deles de se livrarem de Dilma. Trata-se de uma disputa pelo poder. Eles querem tirá-la, para fazer avançar ainda mais fortes medidas neoliberais.”
De qualquer modo, não é isso o que acho que deveríamos discutir neste [fórum].
Estou quase acabando. Já estou no fim.
Moderador:
Sue: Tenho mais três minutos. Vou fazer mais alguns comentários e ficarei dentro dos três minutos.
Essas reportagens estrangeiras, que olhavam os fatos de ângulos que não eram cobertos pela imprensa tradicional, tiveram consequências no Brasil. Mais do que em qualquer outro país que eu conheça, o Brasil tem muito interesse no modo como é coberto no exterior. Matérias e notícias tendem a ser traduzidas ou mencionadas em detalhe na mídia brasileira. Assim, acredito que a mídia [estrangeira] desempenhou um papel importante em chamar a atenção de muitos brasileiros para novos aspectos da [crise]. Ela abriu uma brecha no muro construído pela imprensa tradicional brasileira e ajudou a explicar para os brasileiros por que razão uma parte significativa da população estava chamando o que estava acontecendo de golpe.
Isso foi algo a respeito do qual a imprensa tradicional no Brasil nem mesmo mencionava. Acho que há um debate sobre se [isso foi ou não um golpe]. E acredito que isso ajuda a enfatizar o ponto de vista que apresentei anteriormente: para que a democracia seja consolidada no Brasil, a imprensa tradicional no país precisa mudar.
Muito obrigada.
Moderador: Obrigado.
***
Sue: Se puder... Como fui acusada de não ser jornalista profissional, gostaria de saber se poderia ter um minuto para responder a essa acusação.
Moderador: Claro!
Sue: O fato de eu ter apresentado argumentos fortes e bem fundamentados sobre o por quê de eu não acreditar que a imprensa brasileira está sendo objetiva no modo como está cobrindo a crise, não significa que eu não seja uma jornalista. Assim como o próprio Octavio apresentou seu ponto de vista, de que ele não acredita que isso poderia ser chamado de golpe, expressei a minha opinião e discordo dele. Mas o fato é que estou apresentando esses pontos de vista – e as minhas críticas ao modo como a imprensa brasileira tem coberto essa crise baseiam-se em fontes muito boas e bem fundamentadas. E considero realmente um tanto quanto acintoso dizer que sou só uma petista e que nada do que eu disser deveria ser levado a sério. Tanto quanto ele, tenho direito às minhas opiniões – que acredito estão bem documentadas. E isso não tira a minha credibilidade como jornalista.
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