MORRE AOS 96 ANOS JARBAS PASSARINHO GOLPISTA DE CARTERINHA, PASSOU O RESTO DA VIDA TENTANDO EXPLICAR O GOLPE DE 64
Jarbas Passarinho e as razões fajutas para tentar justificar
o Golpe de 1964 – por Marcos Doniseti!
Na semana passada assisti, na TV Brasil, a reprise de um programa (o
3 A 1), que é apresentado pelo jornalista Luiz Carloz Azedo. Um dos
quadros reprisados promoveu um debate rápido sobre o Golpe de 64
e a Ditadura Militar.
Os convidados do programa eram Marco Antonio Tavares Coelho,
ex-integrante do velho Partidão, o PCB, o filho de Vladimir Herzog,
Ivo Herzog, e o ex-ministro da Justiça (na época do AI-5) do regime
ditatorial, o coronel Jarbas Passarinho.
O programa começou com o jornalista questionando Passarinho a
respeito das razões pela qual os militares promoveram a derrubada
do presidente legítimo e constitucional do Brasil e que era João
Goulart, o Jango.
Resumidamente, Passarinho apresentou 3 razões que, a seu ver,
justificavam o Golpe de Estado contra Jango e que são as seguintes:
'O Golpe Preventivo' - Jango e as Esquerdas teriam um plano para
dar um Golpe de Estado e implantar uma ditadura no país;
'Quebra da disciplina e da hierarquia dentro das Forças Armadas' –
As revoltas de sargentos e marinheiros estavam destruindo, segundo
Passarinho, com a disciplina e a hierarquia dentro das Forças
Armadas e tais revoltas eram estimuladas pelas Esquerdas.
'Guerra Fria' – Segundo Passarinho, a Guerra Fria entre os EUA e a
URSS gerou reflexos aqui no Brasil, onde teria se reproduzido o
conflito entre forças de Direita e de Esquerda, tal como acontecia no
cenário internacional entre os soviéticos e os estadunidenses.
Agora, vou procurar comentar e analisar estes três motivos
apontados, por Jarbas Passarinho, como razões para que
acontecesse o Golpe de Estado contra o presidente legítimo e
constitucional do Brasil, que era João Goulart.
Com relação ao primeiro item, Passarinho justificou-se dizendo que
Leonel Brizola defendia o fechamento do Congresso Nacional com o
objetivo de implantar uma Ditadura. Isso é verdade. E tal posição era,
também, defendida por setores das Esquerdas mais radicais do
período.
Mas, este posicionamento não era unânime entre as lideranças e as
forças esquerdistas e nacionalistas do período, não. João Goulart,
por exemplo, jamais defendeu tal posição.
Ele até fazia críticas à atuação do Congresso Nacional (o que é
perfeitamente normal e democrático... Não há nada de golpista nisso),
mas daí a defender o fechamento do Congresso Nacional vai uma
longa distância.
Tanto isso é verdade que, mesmo depois de ter se aliado às forças
Nacionalistas Radicais (aliança esta que foi formalizada no comício
da Central do Brasil de 13/03/1964) Jango recusou-se a adotar esta
ideia de fechar o Congresso Nacional e adotou uma estratégia
distinta, que foi a de organizar grandes manifestações populares pelo
Brasil inteiro a fim de pressionar o Congresso para que este
aprovasse as Reformas de Base.
Assim, o comício da Central do Brasil era para ser o primeiro de uma
série de grandes manifestações populares mas, em função do Golpe
de Estado, elas não foram realizadas, é claro.
Novamente, pode-se dizer que não há nada de errado, ilegal ou de
golpista nisso.
Pressões populares pacíficas e organizadas para que os
parlamentares (nas três esferas: federal, estadual e municipal) tomem
certas decisões são perfeitamente normais e legítimas em qualquer
regime democrático-representativo. Não há nada de golpista nisso.
Passarinho chegou, inclusive, a citar o livro 'Combate nas Trevas', de
Jacob Gorender, no qual este diz que Jango tinha intenções
continuístas, ou seja, de tentar mudar a Constituição para poder se
reeleger.
Já li o livro de Gorender e o fato concreto é que ele não prova, de
maneira nenhuma, e em parte alguma da sua obra, que Jango tinha
planos continuístas. Gorender não apresenta nenhum documento
que prove a sua tese.
O ex-líder do PCB e do PCBR limita-se a citar uma declaração de Luiz
Carlos Prestes a respeito do assunto e mais nada, o que é muito
pouco para provar qualquer coisa. Declaração oral ou escrita de
Jango que prove as intenções continuístas do então presidente,
Gorender não apresenta em nenhuma parte do seu livro.
E no livro 'João Goulart – Uma Biografia', o historiador Jorge Ferreira
também diz a mesma coisa. Ele afirma, claramente, que não há nada
de concreto que confirme as intenções continuístas ou golpistas de
Jango.
E como Jango era o presidente da República, qualquer tentativa de
fechar o Congresso Nacional e implantar uma ditadura esquerdista
no país seria inviável sem a sua participação.
Somente Jango, na condição de presidente da República e de
comandante-em-chefe das Forças Armadas, teria condições de
comandar um golpe. E como Jango não tinha intenção nem de fechar
o Congresso Nacional e nem de se reeleger, é totalmente equivocado
usar este argumento para justificar o Golpe de 64, como faz Jarbas
Passarinho.
Já com relação à quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças
Armadas, é verdade, sim, que as Esquerdas radicais estimulavam e
apoiavam as revoltas de marinheiros e de sargentos dentro das
mesmas.
Aliás, esse foi, a meu ver, o erro mais grave cometido pelas
Esquerdas nacionalistas e reformistas do período, pois isso jogou
quase toda a oficialidade das Forças Armadas contra elas.
Mesmo aqueles oficiais que defendiam e legalidade e o respeito à
Constituição (na biografia sobre Jango, Jorge Ferreira diz que 90% da
oficialidade era legalista), voltaram-se contra Jango, Brizola e contra
as Esquerdas quando perceberam que eles não apenas toleravam
mas, principalmente no caso dos grupos nacionalistas mais radicais
e de Brizola, estimulavam tais revoltas.
Jango ainda tentava negociar e conter tais revoltas, mas não
conseguiu, pois sua autoridade como Presidente da República
praticamente se esfarelou nas últimas semanas do seu governo.
Exemplo disso foi que Jango mandou o ministro da Marinha, Paulo
Márcio Rodrigues (indicado ministro pelo CGT), demitir e prender o
Almirante Aragão e também prender os marinheiros rebelados, o
ministro não cumpriu com as suas determinações. E mesmo assim,
Paulo Márcio continuou ministro, como se nada tivesse acontecido.
Quando se chega a esse ponto, é porque o presidente não manda
mais nada.
Logo, a fala de Passarinho não está errada, não.
- Mas, ele se esquece de algo muito importante, que é o fato de que
- quem começou com essa história de quebrar a disciplina e a
- hierarquia dentro das Forças Armadas foram os grupos direitistas
- mais conservadores.Exemplo perfeito disso foi o chamado 'Manifesto dos Coronéis',
- de 1953, que foi assinado pelos militares ligados às forças mais
- conservadoras e que atacou o presidente da República, Getúlio
- Vargas, e o então ministro do Trabalho, João Goulart, pelo fato de
- estarem defendendo o reajuste de 100% para o salário mínimo.
- Tal crise acabou desembocando, inclusive, numa tentativa de
- Golpe de Estado, em Agosto de 1954, que foi abortada e
- derrotada, apenas, porque Vargas cometeu suicídio e mandou
- divulgar a Carta-Testamento.E também não se pode esquecer das outras tentativas de Golpe
- de Estado feitas pelas forças direitistas, como em Novembro de
- 1955, quando tentaram levar adiante um Golpe que tinha como
- objetivo inviabilizar a posse dos recém-eleitos JK e Jango na
- presidência e na vice-presidência da República, respectivamente.Aliás, tal tentativa de Golpe de Estado das Direitas começou com
- um ato de insubordinação e de indisciplina por parte de um
- membro do movimento golpista, que foi o Coronel Jurandir B.
- Mamede. Este, fez um discurso violento (no dia 31/10/1955) no
- qual atacou a vitória de JK e de Jango para o governo do país e
- disse que eles não podiam assumir o comando da Nação porque
- não tinham sido eleitos com a maioria absoluta dos votos.É bom lembrar que a Constituição brasileira da época não exigia a
- maioria absoluta para coisa alguma... Bastava obter uma maioria
- simples para considerar-se como legítima a vitória de qualquer
- candidato à presidência da República. E também não existia, é
- bom lembrar, nem segundo turno.E uma outra peculiaridade do período era o fato de que se podia
- votar em um candidato à presidente de uma chapa e no vice de
- outra chapa. Em 1955, JK e Jango, da mesma, foram eleitos. Mas,
- em 1960, isso não se repetiu, pois Jango era o vice do Marechal
- Lott, e foi eleito para o cargo derrotando o vice de Jânio Quadros,
- que era Milton Campos, da UDN.
- Logo, o coronel Mamede defendia, abertamente, um Golpe de
- Estado que impedisse a posse de JK e de Jango.O ministro da Guerra (equivalente, hoje, ao cargo de Ministro do
- Exército), o honrado e íntegro Marechal Lott (e grande defensor
- da Legalidade Constitucional), exigiu que Mamede fosse punido,
- mas o então presidente Café Filho (que estava comprometido
- inteiramente com os planos dos golpistas) negou-se a fazê-lo,
- provocando a demissão de Lott.Assim, abriu-se o caminho para o Golpe de Estado, que foi
- barrado graças à mobilização dos generais legalistas do Exército,
- a qual Lott acabou aderindo, decidindo comandar o contra-golpe
- preventivo a fim de garantir a posse dos recém-eleitos JK e Jango
- no governo do país.Portanto, configurou-se, em Novembro de 1955, mais uma
- situação em que as Direitas golpistas tupiniquins praticaram uma
- nítida e clara quebra da hierarquia dentro das Forças Armadas a
- fim de se promover um Golpe de Estado que resultaria na
- implantação de uma Ditadura Militar.Foi a reação de generais legalistas e que sentiam que o Marechal
- Lott havia sido ludibriado e humilhado pelo presidente Café Filho
- (pois este havia se recusado a punir o Coronel Mamede) que
- desencadeou o contra-golpe que garantiu a posse de JK e Jango
- no final de Janeiro de 1956. Portanto, neste caso, a quebra da
- hierarquia e da disciplina militares foi obra das Direitas golpistas
- e, em função disso, o Golpe das mesmas foi derrotado.E as tentativas golpistas das Direitas retrógradas não cessaram e,
- mesmo depois da posse, JK-Jango enfrentaram mais duas
- tentativas de Golpe de Estado organizadas pelas forças
- Conservadoras, que aconteceram em 1956 e em 1959. Estas foram
- as revoltas militares de Jacareacanga e de Aragarças,
- respectivamente.
As duas revoltas aconteceram com o apoio de forças direitistas,
principalmente do eterno golpista Carlos Lacerda, com o objetivo
de derrubar o governo legítimo e constitucional do Brasil, que era
o de JK-Jango.
Assim, mais uma vez, foram as Direitas golpistas que levaram
adiante novas tentativas de se quebrar a disciplina e a hierarquia
dentro das Forças Armadas e acabaram derrotadas.
E em 1961, as mesmas forças conservadoras e direitistas que
haviam fracassado em suas tentativas golpistas de 1954, 1955,
1956 e 1959, tentaram um novo Golpe de Estado, a fim de impedir
a posse de João Goulart na presidência da República após a
tentativa de Golpe travestida de renúncia por parte do então
presidente Jânio Quadros.
E os golpistas da Direita reacionária novamente fracassaram,
devido à fantástica 'Campanha da Legalidade', liderada pelo então
governador gaúcho Leonel Brizola e que derrotou a tentativa
golpista e garantiu a posse de Jango na presidência da
República.
Assim, antes mesmo de 1964 e das revoltas de sargentos e
marinheiros tumultuarem as Forças Armadas, já existia uma longa
e interminável tradição de quebra da disciplina e da hierarquia
dentro das mesmas por parte das forças mais direitistas da
sociedade brasileira da época.
Foram estas forças que inauguraram, por assim dizer, estes
movimentos de quebra da hierarquia e da disciplina militares, bem
como da Legalidade Constitucional.
Em sua biografia sobre João Goulart, Jorge Ferreira mostra que
foi somente após a vitória do contra-golpe preventivo de
Novembro de 1955, que foi liderado por generais legalistas do
Exército e pelo então ministro da Guerra, o Marechal Lott, que as
Esquerdas começaram a desenvolver atividades políticas dentro
das Forças Armadas com o objetivo de formar um 'dispositivo
militar' que sustentasse a legalidade democrática no país. Antes
disso, isso não acontecia.
Desta maneira, as Esquerdas começaram a falar, na época, da
existência na de um 'soldado cidadão', ou seja, de um Exército
comprometido com a defesa da Constituição e da Democracia,
que garantiria a estabilidade política do país e que se oporia ao
'Exército anti-popular, golpista e retrógrado' e que era ligado às
forças mais direitistas do país e que vivia promovendo Golpes de
Estado 'a torto e a direito'.
Mas, quando isso começou a acontecer, as Direitas
Conservadoras já tinham uma longa tradição de tentar quebrar a
hierarquia e a disciplina dentro das Forças Armadas, fazendo isso
muito antes que qualquer esquerdista.
Logo, foram as forças direitistas que mantiveram e fortaleceram,
entre 1945 e 1964, a tradição golpista dentro das Forças Armadas,
algo que remetia à Proclamação da República.
E Passarinho parece se esquecer, como já afirmei aqui, que o
presidente da República é, também, o comandante-em-chefe das
Forças Armadas.
Logo, qualquer tentativa golpista de derrubá-lo representa,
inegavelmente, uma quebra da disciplina e da hierarquia dentro
das Forças Armadas.
E não se pode esquecer que todas as tentativas de Golpe de
Estado (vitoriosas ou não) entre 1945 e 1964 foram organizadas e
levadas adiante pelas forças direitistas e conservadoras.
Portanto, ninguém contribuiu mais, entre 1945-1964, para quebrar
com a disciplina e a hierarquia dentro das Forças Armadas do que
as ações golpistas das Direitas Conservadoras, que foram as
mesmas forças políticas-sociais que organizaram e apoiaram o
Golpe de Estado que derrubou Jango da presidência da
República.
Assim, quando as Esquerdas começaram a agir no mesmo
sentido, as Direitas já tinham acumulado uma vasta experiência
em promover a quebra da autoridade dentro das Forças Armadas.
Não havia nenhuma novidade nisso.
Portanto, atribuir às Esquerdas, como faz Passarinho, a
responsabilidade pela quebra da hierarquia e da disciplina nas
Forças Armadas é um absurdo total.
Finalmente, a questão da Guerra Fria que, segundo Passarinho,
impactava a realidade brasileira e influenciava fortemente o
alcance e a intensidade dos conflitos políticos e sociais que
aconteciam no Brasil neste período.
Mas, esta questão não pode ser considerada como sendo
importante para desencadear o Golpe de 64 e por várias razões,
como:
A) As quatro principais lideranças populares do Brasil, nesta
época, no campo dos grupos Nacionalistas, eram Jango, Brizola,
Arraes e Prestes. Dos quatro, apenas este último era, é claro,
comunista. Os outros três eram líderes nacionalistas e
reformistas, mas não eram comunistas. Nunca foram.
B) Dentro dos principais movimentos sociais e populares do
período (CGT, UNE, Ligas Camponesas, intelectuais), a
hegemonia não era do PCB, mas do PTB. Este partido é que
detinha, por exemplo, o controle da maioria dos sindicatos de
trabalhadores e não o PCB.
Os comunistas, por isso mesmo, abandonaram aquela política de
oposição radical à Vargas e à influência do PTB sobre os
operários (política esta que durou até 1954, mas que foi
abandonada após o suicídio de Vargas), decidindo atuar de
maneira conjunta com os petebistas.
E o PTB não era, e nunca foi,comunista. Seu programa e suas
principais propostas tinham um nítido caráter Social-Democrata,
de Centro-Esquerda, defendendo a adoção de um Capitalismo
nacionalista e com significativa intervenção do Estado na
economia e na área social.
Estas eram ideias e políticas também adotadas por países da
Europa Ocidental, EUA, Canadá, enfim, por todo o mundo
desenvolvido da época.
A não ser que alguém considere que tais países eram
Comunistas, não se pode atribuir ao PTB janguista da época uma
natureza revolucionária e tampouco comunista. Somente notórios
desinformados podem acreditar numa bobagem monumental
dessas.
Na verdade, a principal influência ideológica sobre o PTB do
período 1945-1964, principalmente depois que Jango se tornou o
presidente nacional do partido, em 1953, era o Trabalhismo
britânico, que de comunista não tinha absolutamente nada.
As ideias da Igreja em defesa da justiça social também exerceram
influência no PTB janguista.
Logo, de comunista o PTB não tinha coisa alguma. Ele era um
típico partido de Centro-Esquerda, Social-Democrata, Nacionalista
e Reformista. Comunista, jamais.
E como o PTB foi o partido político que mais cresceu nesta época,
tendo aumentado consideravelmente a sua bancada no
Congresso Nacional nas eleições de 1962, tendo deixado a UDN
muito para trás em número de deputados federais eleitos (o PSD
elegeu 116 deputados federais, contra 112 do PTB) não se pode
dizer que o crescente número de trabalhadores e tampouco os
líderes e integrantes dos movimentos sociais que votavam no
PTB fossem comunistas.
Entre os comunistas, com certeza, o voto no PTB era maciço, mas
isso acontecia em função da ilegalidade do Partidão e também
porque, entre os partidos legalizados da época, o PTB era o único
que aceitava fazer alianças políticas, mesmo que informais, com o
PCB.
Logo, de comunista, o PTB não tinha absolutamente nada.
C) O próprio PCB, naquele momento, dizia que a prioridade não
era a de promover uma Revolução Socialista no Brasil, mas uma
Revolução Nacional-Libertadora que deveria ser levada adiante
através de uma aliança com a Burguesia Nacional progressista.
Tal aliança foi feita justamente porque o PCB percebeu que não
dava para atuar dentro dos movimentos sociais da época falando
mal de Vargas, das leis trabalhistas e do PTB. Quando tentaram
fazer isso, eles chegaram a ser apedrejados pelos trabalhadores
(como Jorge Ferreira conta em seu livro 'O Imaginário
Trabalhista).
Assim, mesmo que o PCB não tivesse, naquela época,
abandonado a intenção de fazer do Brasil um país Socialista, não
era essa a orientação que predominava no Partidão naquele
momento.
D) As principais propostas de mudanças e de transformações da
sociedade brasileira defendidas pelo PTB e pelas Esquerdas
Nacionalistas neste período não tinham um caráter Socialista.
Elas possuíam, sim, características fortemente Nacionalistas e
Estatistas.
Defendia-se, por exemplo:
A) A reforma agrária, que foi feita em todos os países capitalistas
desenvolvidos e que, logo, não pode ser tachada de comunista,
até porque ela amplia o número de proprietários particulares na
área rural. E a propriedade privada dos meios de produção não é
uma das características fundamentais do Capitalismo?;
B) A erradicação do analfabetismo, o que é fundamental para
qualquer país que deseja se desenvolver, seja Capitalista,
Socialista ou o 'ista' que for;
C) Maior intervenção do Estado na economia, algo perfeitamente
normal nesta época, pois era exatamente isso o que acontecia no
mundo inteiro, incluindo os EUA e a Europa Ocidental, onde
predominava o Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social.
Nestes países, os setores mais importantes da economia eram
controlados por empresas estatais e o discurso neoliberal não
encontrava apoio suficiente na população. Isso somente foi
acontecer na década de 1980, depois que Reagan e Thatcher
passaram a governar os EUA e o Reino Unido, respectivamente.
D) A extensão do direito de voto aos analfabetos, com o objetivo
de ampliar a participação popular no processo político, o que
fortalece a Democracia em vez de enfraquecê-la. Afinal, a
Democracia não é o sistema onde predomina a vontade da
maioria da população? Sem participação popular real, efetiva, a
Democracia não existe.
E) A extensão dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários
para os trabalhadores rurais, o que era fundamental para se levar
justiça social e democracia à area rural brasileira, onde as
relações de trabalho capitalistas já eram hegemônicas e estavam
plenamente estabelecidas e há muito tempo.
Essas propostas não tinham nada de Socialistas ou Comunistas.
Isso é uma asneira monumental.
Na verdade, elas constituíam um amplo programa de reformas
políticas, sociais e econômicas que visavam conciliar o sistema
capitalista brasileiro com um elevado grau de justiça social e com
a manutenção da Democracia, melhorando-se a distribuição de
renda e as condições de vida dos mais pobres e dos
trabalhadores.
Jango nunca se cansou de dizer isso, mas parece que muitos dos
seus inimigos não perceberam, embora alguns mais esclarecidos
entre os direitistas da época soubessem disso, sim.
Tais propostas tinham como objetivo, portanto, promover um
amplo processo de inclusão política, econômica e social, pois
somente assim (pensavam as Esquerdas Nacionalistas do
período) seria possível se construir um país desenvolvido, justo,
moderno, democrático e soberano.
É por tudo isso, inclusive, que vários estudiosos do período
chamam essa época de 'Nacional-Estatista'.
De fato, a implantação do Socialismo não era o que estimulava
estes movimentos sociais, bem como a maioria das suas
lideranças e tampouco os trabalhadores da época, mas a
construção de uma Nação soberana, moderna, democrática e com
uma distribuição de renda mais igualitária.
Tal programa, portanto, não tinha nada de Socialista ou
Comunista.
Assim, pode-se concluir que a Guerra Fria não foi, nem de longe,
um aspecto importante para desencadear o Golpe de 64. Ela foi
mais um pretexto, utilizado posteriormente pelos defensores do
Golpe, do que uma causa efetiva do movimento golpista que
derrubou Jango da presidência da República.
A exploração do sentimento anti-comunista pelos golpistas foi
real, mas isso se fez muito mais para explorar os preconceitos, o
medo e o elitismo das classes mais abastadas da sociedade da
época do que pelo fato do Brasil estar caminhando,
inexoravelmente, rumo à construção de uma sociedade
Socialista.
Não estava, pois não eram socialistas o programa e as propostas
de mudanças defendidas pelas Esquerdas Nacionalistas do
período.
Na verdade, dentro mesmo destas Esquerdas Radicais havia
divergências sobre qual o melhor caminho para se promover as
mudanças. Jango e o PTB, que seguia, quase que inteiramente, a
sua liderança, pregavam o caminho democrático-parlamentar.
Esta foi a estratégia de Jango e, até pouco antes do Golpe de 64,
também do PCB.
E havia a estratégia de Brizola e de importantes lideranças dos
movimento sociais (CGT, das Ligas Camponesas, e de setores da
intelectualidade e dos estudantes), que pregavam o caminho do
confronto, com o fechamento do Congresso Nacional, pois este
rejeitava todas as tentativas de se aprovar as Reformas de Base.
Aliás, este foi um dos principais motivos que levou à
radicalização dos movimentos sociais do período, bem como por
parte de Brizola.
Afinal, como o Congresso Nacional não permitia que estas
reformas fossem implementadas pela via democrática e legal,
muitos líderes e integrantes dos movimentos sociais passaram a
defender o fechamento do mesmo, algo que era rejeitado pela
imensa maioria da população brasileira.
Aliás, a defesa desta tese não tinha sustentação sequer entre a
maioria dos trabalhadores que apoiavam as Reformas de Base. O
caminho democrático, defendido por Jango e pelo PTB, era o
preferido da imensa maioria da população.
Porém, sempre que Jango tentou aprovar as Reformas de Base no
Congresso Nacional elas foram rejeitadas. As direitas as
rejeitavam por as considerarem radicais demais. E as Esquerdas
mais radicais as consideravam moderadas demais. Imprensadas
entre os dois grupos, elas nunca foram aprovadas pelo
Congresso Nacional, infelizmente.
Na biografia de Jorge Ferreira sobre Jango, informa-se que,
segundo pesquisas feitas neste período, as Reformas de Base
eram desejadas pela maioria absoluta da população.
Mesmo na cidade de São Paulo, cerca de 60% dos mais ricos e
das classes médias queriam a implementação das Reformas de
Base.
Se em SP, capital do conservadorismo político da época, o
sentimento dominante era assim, imagine-se o que acontecia nos
demais estados brasileiros.
Portanto, em função de tudo isso, pode-se afirmar claramente que
as três razões apontadas por Jarbas Passarinho para justificar o
Golpe de 64 são falsas e sem nenhum fundamento histórico.
O tal golpe preventivo contra um suposto 'Golpe das Esquerdas' é
uma ficção, pois todas as tentativas golpistas levadas adiante, no
Brasil, entre 1945-1964, partiram das Direitas e não das
Esquerdas.
Além disso, o projeto continuísta ou golpista de Jango também
nunca passou de ficção científica, e é fruto mais do desejo
daqueles que possuem uma visão histórica ou pessoal negativa a
respeito de Jango, do que de provas históricas concretas que
confirmassem a veracidade de tais projetos por parte do
presidente João Goulart.
A quebra da disciplina e da hierarquia dentro das Forças Armadas
era, ainda em 1964, uma tradição iniciada ainda nos 1920, com as
chamadas Revoltas Tenentistas, que colocavam oficiais de média
e de baixa patente (os chamados 'tenentes') contra a alta
oficialidade (Generais, Coronéis, etc).
E o próprio fato das Forças Armadas intervirem no processo
político vinha desde a Proclamação da República. Culpar as
Esquerdas por tudo isso só pode ser piada.
E as Direitas Conservadoras continuaram com essa política
depois de 1945, tento realizado inúmeros Golpes de Estado no
período mais democrático da história do Brasil até aquele
momento, que foi o de 1945-1964. Nunca tínhamos tido tanta
Democracia, no Brasil, como nesta época.
E de que maneira as Direitas Retrógradas tentavam chegar ao
poder neste período extremamente democrático da história
brasileira? Através de sucessivos Golpes de Estado. A UDN que o
diga...
Seus líderes, principalmente Lacerda, viviam batendo nas portas
dos quartéis implorando para que os militares promovessem
Golpes de Estado. Ganhar eleições com o voto do povo, que é
bom, nada, né?
E quanto à Guerra Fria, o argumento de Passarinho também não
se sustenta, pois nem os movimentos sociais (estudantil,
operário, camponês, intelectuais), tampouco os principais líderes
nacionalistas e reformistas do período (Jango, Brizola e Arraes
em especial) e menos ainda as propostas defendidas por ambos
eram Socialistas ou Comunistas.
O programa defendido por tais líderes e movimentos sociais
tinham um caráter Nacionalista e Reformista, mas não era nem
Socialista e nem Comunista.
Alguns destes líderes e militantes eram mais moderados e outros
eram mais radicais, mas a imensa maioria destas lideranças não
desejava implantar o Socialismo ou o Comunismo no Brasil.
Assim, é melhor os defensores do Golpe de 64 inventarem
argumentos bem melhores do que esses três que analisei acima a
fim de justificar o seu posicionamento a respeito do assunto, pois
estas três argumentos defendidos por Jarbas Passarinho não tem
nenhuma sustentação histórica.
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