Escola sem Partido é inconstitucional e impede o pluralismo, diz MPF


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TwitterEscola Sem Partido subverte a ordem constitucional

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
no Jota
O Programa Escola sem Partido apresenta-se como uma iniciativa conjunta de estudantes e pais, alegadamente preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. O PL que incorpora o seu ideário, sob o pretexto de defender princípios tais como “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”; “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”; liberdades de consciência e de crença, coloca o professor sob constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais. Como se demonstrará a seguir, a iniciativa legislativa nasce eivada de inconstitucionalidade.
O art. 205 da Constituição traz como objetivo primeiro da educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania. A seguir, enuncia também o propósito de qualificá-las para o trabalho. Essa ordem de ideias não é fortuita. Ela se insere na virada paradigmática produzida pela Constituição de 1988, de que a atuação do Estado pauta-se por uma concepção plural da sociedade nacional. Apenas uma relação de igualdade permite a autonomia individual, e esta só é possível se se assegura a cada qual sustentar as suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida.
Daí por que o espaço público, o espaço da cidadania, onde se colocam e se defendem os projetos coletivos, tem que, normativamente, assegurar o livre mercado de ideias. E a escola, ao possibilitar a cada qual o pleno desenvolvimento de suas capacidades e ao preparar para o exercício da cidania, tem que estar necessariamente comprometida com todo o tipo de pluralismo.
Nesse ponto, é preciso desmascarar o compromisso aparente que tanto o PL como o ESP têm com essa principiologia constitucional. A começar pelo uso equivocado de uma expressão que, em si, é absurda: “neutralidade ideológica”. A definição modernamente mais aceita de ideologia, de Jonh B. Thompson, são “os modos pelos quais o significado (ou a significação) contribui para manter as relações de dominação”. Um poder dominante pode legitimar-se envolvendo pelo menos seis estratégias diferentes: promovendo crenças e valores compatíveis com ele; naturalizando e universalizando tais crenças de modo a torná-las óbvias e aparentemente inevitáveis; desqualificando ideias que possam desafiá-lo; excluindo formas rivais de pensamento; e obscurecendo a realidade social de modo a favorecê-lo. De modo que não há, ontologicamente, ideologia neutra. Ao contrário, para Adorno, a ideologia é uma forma de “pensamento de identidade”, que expulsa para além de suas fronteiras singularidade, diferença e pluralidade. Daí por que, seguindo essa linha, Eagleton afirma que o oposto da ideologia não seria a verdade ou a teoria, mas a diferença ou a heterogeneidade, mas a diferença ou a heterogeneidade.
O que se revela, portanto, no PL e no seu documento inspirador é o inconformismo com a vitória das diversas lutas emancipatórias no processo constituinte; com a formatação de uma sociedade que tem que estar aberta a múltiplas e diferentes visões de mundo; com o fato de a escola ser um lugar estratégico para a emancipação política e para o fim das ideologias sexistas – que condenam a mulher a uma posição naturalmente inferior, racistas – que representam os não- brancos como os selvagens perpétuos, religiosas – que apresentam o mundo como a criação dos deuses, e de tantas outras que pretendem fulminar as versões contrastantes das verdades que pregam.
O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares.
Enfim, e mais grave, o PL está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Determino o encaminhamento desta Nota Técnica:
i) à Assessoria de Articulação Parlamentar – Assart/PGR, como subsídio para o PL 867/2015 e seus apensos, assim como para todas as proposições legislativas correlatas em tramitação no Congresso que se referem à inclusão do Programa sem Partido nas diretrizes e bases da educação nacional;
ii) à Secretaria de Relações Institucionais do MPF- SRI/MPF;
iii) ao Ministro da Educação;
iv) ao Conselho Nacional de Educação;
v) ao Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH;
vi) ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA;
vii) à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SNPDCA/SDH;
viii) ao Conselho Nacional do Ministério Público; e
ix) ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça – CNPG.
Brasília, 21 de julho de 2016.
Deborah Duprat
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
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